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Horror caótico contribuiu para salto de visão e de atuação

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(Discurso de posse do desembargador Fernando Carioni como presidente do TRE-SC, em 16 de abril de 2021)

Hoje é um dia de festa para mim. 

Peço licença a todos para iniciar fazendo um breve, mas importante registro pessoal: à minha família – Beth, minha esposa; Henrique, Fernanda e Elisa, nossos filhos; Thiago, nosso genro; Letícia, Enzo, Francisco e Marina, nossos netos –, peço que sejam pacientes com as ausências exigidas pelas novas funções: o amor nos mantém unidos e fortes; mais do que nunca, é nele que me apoio.

Ascender ao elevado cargo de Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina é uma honra, mas com a honraria recebo, de forma consciente e agradecido, uma grande responsabilidade.

E, nesse passo, reporto-me a Sua Excelência o Desembargador Jaime Ramos: sucedê-lo, igualmente, é uma honra e uma responsabilidade. Esteja certo, Desembargador Jaime, que ser Corregedor Regional Eleitoral e Vice-Presidente foi menos árduo por ter um magistrado do seu quilate à frente desta respeitada Corte Eleitoral, e que, como Presidente, na continuidade do legado construtivo que recebo, buscarei trilhar o mesmo caminho de sucesso que já é história. A Vossa Excelência o meu reconhecimento e gratidão.

Senhoras e Senhores, não falarei do compromisso oficial de cumprir a Constituição e as leis, nem do intrínseco, da tradição da Justiça Eleitoral Catarinense na realização de eleições céleres e escorreitas – até porque esse grande feito será executado pelo meu par na Presidência, o hoje Vice-presidente e Corregedor, Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann –, mas da manutenção e aperfeiçoamento das tradições pelo comprometimento com o compromisso: estamos, portanto, comprometidos e compromissados em mantê-la e aperfeiçoá-la – e sinto-me mais feliz e seguro por ter ao meu lado Vossa Excelência. Seja bem-vindo e obrigado pelo seu integral e irrestrito apoio. 

Manifestei-me, em diversas ocasiões, acerca de como penso e como gostaria que Justiça Eleitoral e Sociedade caminhassem para a construção de um Estado plural de respeito e oportunidades. E não é de hoje. Minha história pessoal – cidadão, advogado e há quase duas décadas magistrado – sempre foi marcada pela luta em prol da Sociedade e das instituições democráticas. 

E, hoje, chega o momento de apresentar outra, por outra ótica, que é a de gestor, e como tal reafirmo: o cidadão e as eleições são essenciais à Justiça Eleitoral e à democracia! 

Mantê-la em pleno funcionamento, focando-nos no desafio maior das Eleições Gerais de 2022, é meta de primeira ordem, mormente considerando a gravidade do quadro pandêmico vivido, mas confiantes de que o pleito vindouro será realizado fora dessa triste realidade e respeitando as lições aprendidas. Planejar as eleições exigirá, mais do que nunca, a aplicação do conhecimento amealhado nesse caos, ou seja, necessariamente teremos que pensá-la com outros olhos, tanto ao público externo quanto ao público interno.

Nessa linha, sem olvidar os trabalhos internos da Justiça Eleitoral que serão bastante exigidos no processo, aspecto aparentemente singelo, mas de grande repercussão: a avaliação e reorganização dos locais de votação. Em um primeiro momento, o acesso, a melhor comunicação visual e a disposição das seções eleitorais, especialmente aquelas destinadas a pessoas com necessidades especiais. Noutro, a alocação dos eleitores nos locais devidos. Precisamos nos antecipar e estreitar parcerias com o Estado e os Municípios Catarinenses para esse fim.

Ainda, ciente do baixíssimo número de jovens eleitores (de 16 a 18 anos incompletos), incentivaremos o cadastramento jovem com o objetivo de engajá-los na participação político-partidária, envolvendo-os de forma efetiva nos destinos da Nação por meio da escolha de nossos dirigentes e mandatários pelo voto. Será uma via de mão dupla, onde a Justiça Eleitoral, por meio dos seus protagonistas – juízes e promotores eleitorais e o qualificado quadro de servidores –, a sociedade politicamente ativa e as instituições públicas somarão esforços para a maior participação dos jovens na política, responsabilizando-os ao exercício pleno da cidadania.

O aperfeiçoamento contínuo dos serviços eleitorais contribuirá e muito nesse processo, tanto pela facilidade de acesso por meio do sítio oficial do TRE na internet, quanto pela afinidade e domínio das tecnologias, e também envolverá diretamente esse público jovem: a adesão dos jovens eleitores os transformará em divulgadores da simplicidade dos processos e em multiplicadores de conhecimento. 

A Justiça Eleitoral precisa ser a Justiça dos bons e acessíveis serviços. 

Curiosamente, o horror caótico da pandemia contribuiu para esse salto de visão e de atuação, que deverá ser refinado para o pós-crise sanitária, reavaliando-se institucionalmente as estruturas e os processos para o fim de, com respeito ao cidadão e à lei, servir e realizar eleições. Evoluímos e evoluiremos mais e continuamente.

Somos um ramo especial do Poder Judiciário, onde os serviços tomam importância ímpar: a partir de um processo judicial, legitimamos a grande operação logística que é a eleição. É a diferença. E precisamos perseguir a excelência dos nossos serviços para seguir fornecendo um resultado de qualidade: eleições lisas, escorreitas e polidas. A Justiça Eleitoral Catarinense, ao perseguir a boa qualidade de suas atividades superará qualquer barreira, e seguirá honrando a tradição de respeito ao cidadão e às eleições.

Tema deveras sensível é a impressão do voto. 

Sem adentrar no passado não muito remoto de eleições resolvidas no bico das penas, onde é cediço que as apurações, se não garantiam resultados, eram palco de aproveitamento ou rejeição de votos, parto de fato histórico e revolucionário ao processo eleitoral brasileiro: a implantação do processo eletrônico de votação, em 1996.

O projeto original concebia a utilização de impressora, que foi utilizada para a conferência do voto pelo eleitor nas eleições de 2002 e, desde as eleições de 2004 – em razão de falhas técnicas impeditivas do transcurso fluente dos trabalhos nas seções; do alto custo de implantação; do impacto no tempo de votação; e dos demorados procedimentos de carga dos programas – foi descontinuada, substituída por controles eletrônicos (registro digital do voto ou arquivo de votos, que consiste na inserção, em ordem aleatória de modo a preservar o sigilo do voto de cada eleitor, assinado digitalmente pela urna eletrônica). Este o sistema atual.

Aprovada a impressão do voto pela Lei n. 12.034/2009, teve aplicação suspensa e posterior declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4543). Tramita hoje, no Congresso Nacional, o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n. 135 – que acrescenta o § 12 ao art. 14, da Constituição Federal, dispondo que, na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria –, já aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.

Tomo a liberdade de recapitular os fatos: dadas as garantias de segurança dos sistemas eleitorais, o alto custo/investimento envolvido e a potencialização de risco ao processo – a impressora representa mais um componente periférico aderido ao projeto –, o Judiciário tem defendido a desnecessidade de impressão. Enfatizo, portanto, que desde a implantação do sistema e uso das urnas eletrônicas, jamais se constatou qualquer fraude devidamente comprovada, nem por partidos políticos, nem candidatos a cargos eletivos, eleitos ou não, ou mesmo por qualquer instituição pública ou privada. 

Contudo, a continuidade do clamor popular e a reiterada iniciativa legislativa, agora por meio de projeto de emenda constitucional, indicam que, apesar do dissenso, a impressão do voto é fator ambiental inafastável de qualquer planejamento referente ao processo eleitoral. 

Considerando que compete ao Legislativo legislar e ao Judiciário Eleitoral realizar a eleição, não parece ser questão de transigência ou intransigência, de concordar ou discordar, mas de cumprimento da lei. Nessa esteira, se as normas de regência assim determinarem, precisaremos estar preparados para esse novo cenário e realidade: aprovada e promulgada a emenda, esta será a regra do pleito, e dessa forma deverá a Justiça Eleitoral executar o processo.

Digo isso não para marcar posição, mas porque, como referido alhures e respeitada a posição do colendo Tribunal Superior Eleitoral como Órgão Central do Sistema, quiçá, nesse interregno, previnamo-nos à surpresa de uma aprovação que prejudique a tomada das providências e soluções necessárias à aplicação da norma constitucional, desde a elaboração de cronogramas operacionais; a definição do modelo de impressão; o levantamento de requisitos e desenvolvimento dos sistemas com a definição dos equipamentos periféricos; bem como a necessária previsão e dotação orçamentária. Tudo isso, destaco, sob a égide do princípio da anualidade.

A Justiça Eleitoral, com relação aos serviços, se reinventou em razão da pandemia. É possível afirmar que os novos processos de trabalho vieram para ficar, mesmo que não seja possível prever como ficarão após a crise sanitária. Não falo em retrocesso ou abandono, refiro-me a uma nova evolução, qual seja, o aproveitamento dessas práticas de sucesso e sua oficialização como ordinárias e regulares (deixando de ser extraordinárias e excepcionais). Exemplificando, a manutenção e o aperfeiçoamento do atendimento virtual ao eleitor; a avaliação e o modelamento do trabalho remoto; o mapeamento das atividades que requeiram execução presencial.

É de pleno conhecimento que alguns danos da pandemia são imensuráveis e irremediáveis, e todos nós lamentamos. Contudo, sob a ótica do serviço público eleitoral – tanto o administrativo quanto o judicial –, essa quadra cinzenta exigiu um salto de inovação e, por via de consequência, de melhoria: o caos nos levou a repensar, e nesse repensar, sempre com foco no cidadão e nas eleições; a Justiça Eleitoral evoluiu, e muito ainda há para evoluir.

O Tribunal Superior Eleitoral, Órgão Central desta Justiça Especializada, realizou o movimento de concentração dos processos de totalização e divulgação do resultado das eleições. Pessoalmente, gostaria que os Tribunais Regionais continuassem coordenando o processo no âmbito dos seus estados – se não por outra razão, para que os cidadãos locais se sentissem pertencentes ao processo –, mas a matéria escapa da nossa competência. 

Como dito, trata-se da minha posição, de caráter pessoal, de defender que as apurações se deem nos TREs, dada a proximidade com os eleitores. É como penso. Penso no tempo que não pode ser uma surpresa. Penso em leis que devam ser cumpridas.

Reafirmo: Não são novos tempos por causa da pandemia, mas de novas práticas apesar da pandemia. 

O comprometimento com o compromisso e a luta incessante pelo melhor serviço eleitoral para o eleitor e para a eleição, ética que deverá estar sempre e cada vez mais arraigada aos que servem o público, em especial a nós, garantidores que somos do processo legitimador da escolha de nossos dirigentes e mandatários. 

Peço: O apoio dos integrantes deste respeitado Tribunal: Vice-Presidente e Corregedor, Desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann; Juízes Rodrigo Fernandes, Luís Francisco Delpizzo Miranda, Marcelo Pons Meirelles, Paulo Afonso Brum Vaz e Zany Estael Leite Júnior; e ainda Carlos Alberto Civinski, Guilherme Nunes Born, Renato Boabaid, Otávio Minatto, Sebastião Ogê Muniz, Ana Cristina da Rosa Grasso e Jefferson Zanini; Procuradores André Stefani Bertuol e Roger Fabre; dos senhores juízes e promotores eleitorais; do seleto corpo funcional da Justiça Eleitoral, servidores ou não; de todos os concidadãos catarinenses, para que sigamos juntos ao propósito de bem servir e realizar a missão institucional.

Ofereço: O melhor do meu trabalho como contribuição a esse processo de construção, o qual, apesar da singeleza, trato como meta.

Agradeço: Antecipadamente, o apoio que recebi e que receberemos, lembrando que o sucesso não é desta Presidência ou do Tribunal, mas de todos os catarinenses. 

E por falar em apoio recebido, concluo registrando o agradável, produtivo e inspirador ano que passei à frente da Corregedoria Regional Eleitoral de Santa Catarina. Muito daquilo que iniciamos em março de 2020 vem comigo à Presidência, e não só os feitos, especialmente o aprendizado. Deixo, a todos os servidores da Corregedoria, o meu abraço fraterno e a minha gratidão. 

[Agradeço] As manifestações do Juiz Rodrigo Fernandes e do Procurador Regional Eleitoral, André Stefani Bertuol, registros elogiosos à minha pessoal, mais em razão da nossa amizade do que pelos meus méritos. A Vossas Excelências, muito obrigado. 

Antes de encerrar essas palavras, registro, com enorme orgulho e gratidão, a presença virtual da minha professora, do 1º ano do curso primário do Grupo Escolar “Modelo” Dias Velho, Professora Lia Neuza Meirelles, responsável maior pela minha alfabetização e dedicação aos estudos. 

A todos que dedicaram seu tempo para prestigiar esta solenidade e torcem pelo sucesso da Justiça Eleitoral Catarinense, o meu Muito obrigado.

Fernando Carioni


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